Capítulo Primeiro

- Amo-te!
Estava ainda embebida no eco que a sua voz sussurrada produzira na sua mente quando a campainha do intercomunicador a despertou novamente para a realidade. Não sentia pressa desmedida, nem ansiedade para saber quem tocara, pois já antevia que seria o taxista quem estava à sua espera. Olhou, uma vez mais, para o corpo descansado que estava sobre a cama, tentando decorar aquela imagem, ciente que seria a última vez que a viria diante si. Teve vontade de lhe dar um beijo - o último - na testa relaxada, típica de quem dorme serenamente. Sentiu-se na obrigação de resistir, não fosse tal vontade deitar por terra o seu plano há tanto tempo engendrado.
Já fora do quarto inspirou profundamente, seguindo a passos largos para a sala, onde parou, pela segunda vez, junto ao ramo de trinta rosas vermelhas exposto na mesa, acompanhado por um cartão. Sem ler, colocou o cartão na sua mala e substituiu-o por um bilhete escrito por si.

Joshua,
És um bom homem.
Tenho a certeza que encontrarás a felicidade, tu mereces!
Love,
Summer


Abriu a porta do apartamento, certificando-se de que deixaria a chave e o telemóvel dentro daquela que seria a sua última residência em New Jersey. Queria levar consigo unicamente os seus documentos, algum dinheiro, roupa para as próximas semanas e o seu computador.


-Bom dia. Leve-me para o aeroporto, por favor.
- Com certeza, senhora.
Pela janela do táxi observava a manhã fria e chuvosa, o trânsito lento e algumas pessoas circulando a pé, que traziam nos seus rostos o desagrado de quem preferia estar a absorver o calor dos seus cobertores, ouvindo bater na janela dos seus quartos a chuva que agora lhes molhava os pés. Summer não conseguiu deixar de sentir algo semelhante a pena por estes transeuntes. Sabia que quando o seu próprio mundo acordasse instalar-se-ia uma revolução, repleta de angústia, confusão e um sem fim de pontos de interrogação que invadiriam as cabeças daqueles que lhe haviam sido tão próximos nos últimos anos. Mas, apesar disso, sabia que não podia voltar atrás. Não queria voltar atrás! Abraçou a mala contra o peito, numa tentativa de continuar a encorajar-se a si própria a seguir avante. Foi então que se lembrou que tinha consigo o cartão de Joshua, deixado por ele junto às flores, e decidiu lê-lo enquanto viajava para o aeroporto.

Happy Birthday, my love!
Não possuo coisa melhor na vida do que a certeza de que tenho uma mulher maravilhosa ao meu lado!
A propósito, casas comigo?
Love,
Joshua


Sentiu um imenso nó apertar-lhe o estômago. Naquele instante foi impossível conter as lágrimas. Estaria mesmo a tomar a decisão mais acertada? Summer, que sempre se sentiu capaz de ter tudo controlado, via-se agora atraiçoada pelas suas próprias emoções. De facto, estava consciente do quão egoísta e injusta estava a ser, principalmente para pessoas como Joshua. Não tinha dúvidas que se ficasse, se abandonasse os seus intentos fugidios e casasse com ele, seria uma esposa muito completa, amparada e correspondida. Mas Summer sentia outra falta, outra dor maior. Tinha a noção clara que não iria conseguir ultrapassar isso em New Jersey. Sabia que não podia ficar mais tempo no mesmo registo monocórdico em que a sua vida se tinha instalado. Os últimos doze meses tinham sido de um sofrimento ininterrupto e vagaroso. Estava na altura de ultrapassar tal asfixia. O seu plano representava uma fuga aos olhos do mundo, mas para ela correspondia à sua libertação, à salvação da sua integridade emocional e psíquica.
Rasgou o cartão, sentindo que estava também a rasgar uma parte importante do seu coração. Rasgou-o devagar, silenciosamente e com delicadeza. Não queria que tal gesto fosse portador de qualquer tipo de raiva ou rancor, porque estava longe de sentir algo similar a respeito de Joshua. Fazia-o porque sabia que essa era a sua única alternativa. Tinha que romper os laços que a ligavam a New Jersey.


Chegou com tempo folgado ao aeroporto. Fez o check-in e, assim que abriram as portas, caminhou vigorosamente para o avião que a levaria para a sua nova vida, do outro lado do oceano atlântico. Sentou-se no seu lugar e, novamente, deixou que o seu olhar se perdesse por entre as gotas da chuva, vincadas na janela. Quis confirmar mentalmente os pertences que trazia consigo: documentos, roupas, dinheiro e o computador. O computador! Summer achava-se corajosa o bastante para deixar para trás praticamente toda a vida que tinha conhecido nos últimos trinta anos, mas não podia de maneira nenhuma abandonar uma pessoa. Não podia e não queria deixar de se corresponder com essa pessoa. Sabia que era por ela, em grande medida, que estava agora naquele avião, a poucas horas de se aventurar numa terra que tinha apenas lembranças das férias de verão, passadas com a família quando ainda era criança.
Tinha saudades. Tantas saudades! Decidiu esboçar um e-mail, enquanto os restantes passageiros se iam acomodando nos seus lugares.

My dear,
Como te prometi, estou a lutar!
Embora não sem dor, mantenho acesa a esperança de que irei conseguir alcançar o que tanto desejo e necessito. Talvez um dia…
Estou a poucas horas de começar tudo do zero. Vai ser uma mudança e tanto! Tu sabes... Realmente, de mudanças percebes tu, não é? Impressionante como as nossas vidas mudaram tanto e em tão pouco tempo. Quanto tempo já passou? Um ano… 365 dias que nos apartam. Porquê?!
Tenho saudades tuas!
Com imenso amor,
Summer


Guardou o esquiço, pendente de ter internet que lhe possibilitasse mandar o e-mail. Estava emocionalmente esgotada. Ainda com o computador no colo, deixou a cabeça cair ao encontro do descanso do assento. Fechou os olhos por instantes, e pelo seu rosto fluiu uma lágrima fria e saudosa. Era a lembrança que corporizava um nome: Jade.